Dei por mim, estes dias, a olhar para alguns números e reflexões sobre os últimos censos que tiveram lugar em Portugal. Foi em 2021 e, para quem não está muito atento a estas temáticas, fica a ideia: os censos permitem-nos ter um retrato do país, de como vivem e são as pessoas que o compõem. A ideia da realização de censos remonta aos Romanos. Se bem se recordarão, S. José e Maria vão a Belém precisamente, porque há um censo em curso, dizem os Evangelhos (Lucas 2).
Ora, o que sobressai dos dados recolhidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), neste último período, prende-se com duas questões:
- A primeira tem a ver com o nível de envelhecimento do país e com a concentração de pessoas numa faixa muito pequena, junto ao litoral. Temos 182 idosos por cada 100 jovens e 20% da população concentrada em 1,1% da área do território. Na faixa dos 85 anos de idade, Portugal passou de uma população de 234 mil para 353 mil pessoas. Dizem os investigadores, que em cerca de 100 anos, estes números relativos aos idosos duplicaram a sua expressão. E nem os muitos estrangeiros que rumaram a terras lusas (mais 37,5% na última década) permitem um rejuvenescimento populacional.
- A segunda questão, prende-se com a tipologia de família mais preponderante. Vejamos: há mais 2,4% de divorciados, do que nos últimos censos, chegando, agora, este grupo de pessoas aos 8% da população, ultrapassando os viúvos (7,5%) e, por sua vez, o número de cidadãos casados é agora de 41% e os que vivem em união aumentaram 38,2% (eram 8,1% em 2011 e agora são 11,2%), sendo mais de 1 milhão de pessoas. Também as famílias monoparentais constituem 18,55% do total nacional de famílias, mais 3,6 pontos percentuais que na anterior recolha de dados.
Estes dois factos devem obrigar-nos a refletir, sem preconceitos e sem vendas nos olhos, pois o conhecimento é uma porta que nos pode abrir uma janela de oportunidades e desafios na implementação dos valores cristãos.
O envelhecimento e concentração da população no litoral não é novidade e vem sendo apontada como tendência há muitos anos. Mas o que tem sido feito para prever e antecipar os efeitos deste problema? Como o temos enfrentado, coletivamente – enquanto estado – e individualmente? Ter mais idosos que jovens coloca-nos desafios muito concretos, quer ao nível da produtividade e de quantos anos deverá ser obrigatório trabalhar, quer ao nível da segurança social e benefícios a ela associados (como as reformas, a assistência médica, acompanhamento na velhice). Por outro lado, se estamos a diminuir, como consequência direta da baixa de natalidade, que fazer, positivamente, para reverter esta situação?
A ideia de família alterou-se. É notório. E irreversível. E temos muitos idosos. Como pensar este tema, sem cair em argumentos extremistas, conservadores, ou progressistas, mas considerando que, enquanto cristãos temos o dever de contribuir para o bem-comum e, logo, temos de concorrer para encontrar de soluções relacionadas com estas problemáticas que são definidoras de uma nova sociedade?
A Igreja é chamada a ter um papel central na integração dos imigrantes. São muitos destes irmãos que nos ajudam a ter uma vida melhor, realizando tarefas que não queremos, partilhando altos conhecimentos adquiridos com muito esforço. Devemos acolhê-los, tendo a noção clara de que o mundo já não nos permite fechar portas e criar muros altos, que impeçam a circulação de quem deseja e busca outra vida, contribuindo para a melhoria da economia nacional. Respeito é a palavra-chave, que se opõe a xenofobia e racismo. E respeito pelo próximo é um dos valores cristãos mais definitivos e claros.
Também tem de se olhar para as novas formas de conjugalidade. Maria João Valente Rosa, professora da Faculdade de Ciências Socais e Humanas da Universidade de Lisboa, afirmava: «A conjugalidade não está em crise, a forma de viver é que se tornou muito menos linear do que no passado. Se antes conseguíamos contar a história das pessoas de forma simples, elas casavam e tinham filhos, hoje combinam-se múltiplas trajetórias e múltiplas formas de viver com o outro». Tapar o sol com a peneira, como diz o povo, não adianta nada. E, mais uma vez, excluir, separar, distinguir aqueles que não correspondem ao cânone clássico, não é o caminho que respeita o mandamento legado por Cristo, Pai (antes de tudo), Rei e Luz do Mundo (João 13:34): «Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis». Há uma oportunidade clara de evangelizar, se quisermos entender estas novas formas de viver em comum e as razões que as motivam. No fundo, se quisermos entender o ser humano e a sua necessidade constante de adaptação, que é fruto da sua condição e natureza.
E temos todos, já que somos pelo menos 80,2% a afirmarmo-nos católicos (menos 0,8% que em 2011) em Portugal. E, se calhar, aqui está o desafio maior e a resposta que precisamos: se somos católicos, porque não se enchem as Igrejas, realizando-se todo o tipo de iniciativas que envolvam e atraiam as pessoas? Se calhar, é precisamente porque há uma necessidade muito premente de renovação interna, um desejo de um olhar novo para a proposta que Cristo nos deixou que não está a encontrar acolhimento. Mais do que isso: uma necessidade de viver a Fé com um sentido profundo e sincero de que a mudança não implica transgressão, ou discriminação.
«Então os olhos dos cegos serão abertos e os ouvidos dos surdos se abrirão» (Isaías 35:5), porque aqueles que colocarem nas mãos de Deus e se abrirem à Sua Graça para que o mundo seja um lugar melhor, estarão a construir, aqui, um pedaço do céu. É esse o caminho que temos de fazer.
Desejo a todos um Santo Natal e um Feliz Ano Novo, vivido em espírito de fraternidade e esperança!