
«As multidões procuravam-No [Jesus] e, ao chegarem junto d’Ele, tentavam retê-Lo, para que não Se afastasse delas. Mas Ele disse-lhes: «Tenho de anunciar a Boa Nova do reino de Deus também a outras cidades, pois para isso é que fui enviado» (4, 42-43)».
Todos vimos, nas últimas semanas, a polémica que tem vindo a causar a decisão do Presidente Trump de dar armas aos professores, como forma de resolver a questão recorrente dos tiroteios nas escolas americanas.
Armar até aos dentes os docentes, sem sabermos, é claro, se algum deles não sofrerá igualmente de algum problema psicológico, nem que seja temporário, é algo que ao menos avisado cidadão parece um absurdo. Armar qualquer docente, que deverá ter como missão educar, sensibilizar, ensinar os princípios fundamentais da democracia e dos direitos dos cidadãos, entre os quais os direitos inalienáveis à vida e à segurança, parece ainda mais absurdo a quem acredita que qualquer escola deverá ser um lugar de tranquilidade e paz, onde há espaço para crescer intelectual e humanisticamente.
Mas isso não parece ser assim na cabeça do Presidente dos EUA. E aparentemente de muitos americanos, que ao nível federal e aos nível estadual legislam absurdos, que geram incongruências tais como as seguintes: é mais fácil um menor adquirir uma arma, do que adquiri uma cerveja ou outra bebida alcoólica; é mais fácil a um menor adquirir uma arma, do que adquirir uma revista de teor pornográfico. Nada do que aqui está em causa é correto e adequado a um menor, mas convenhamos que nenhuma proposta é mortífera, quando comparada com a aquisição de armamento.
A sociedade civil tem vindo a dar sinais de que há um enorme conflito de visões e opiniões, com a Associação Nacional de Armas (National Rifle Association, NRA) a apoiar firmemente a posição de Trump e grandes empresas como a Delta e a United Airlines a boicotarem os membros desta associação, a Wallmart a subir para os 21 anos a idade mínima para compra de arma de fogo. Enfim, muitas vozes se fazem ouvir, mas no meio da vozearia, persiste a “trumpalhada” como vontade maior e o caminho não parece ser o mais feliz neste caso específico.
Outras histórias e casos da vida nos fazem pensar: a Síria, onde tantas crianças têm morrido nos últimos anos, mas sobretudo nos últimos dias e as histórias que nos apertam o coração… Os que o temos, porque há tantos, com capacidade de decisão, que parecem ter o coração adormecido e insensível e nada os fará deter perante a sua necessidade de fazer vingar a própria vontade.
E o mau tempo? E os tornados e afins? E os comentários xenófobos contra os ciganos desalojados em Faro, depois da passagem do fenómeno da natureza?!….
Tantos casos da vida real que, na verdade, são o espelho do que somos e de como socialmente nos organizamos e vivemos.
Falo deles muitas vezes nestes meus textos e às vezes percebo que uns gostariam mais que eu falasse de temas estritamente religiosos, considerando que sou sacerdote; outros nem por isso, mas também não se questionam porque os abordo. Na verdade, eu faço algo em que acredito profundamente: temos de olhar para nós mesmos, para o que somos e fazemos, mas com verdade, sem clichés, nem frases feitas. Temos de tentar perceber os porquês e questionar os comos, pois sem esse tipo de questionamento não somos uma verdadeira humanidade, nunca o seremos. Perceber as “trumpalhadas” e as misérias, realçar as alegrias é missão dos meios de comunicação e de quem neles trabalha, sobretudo os que têm uma vocação cristã e acreditam numa visão particular do mundo.
Eu sei que nada sou, que neste contexto mundial apenas sou menos ainda que uma formiguinha e que a minha opinião pouco contará para a resolução de grandes questões. Mas se a minha voz for um alerta para alguém, um contributo no processo de reflexão de outro, serei feliz e terei feito aquilo que se espera, não de um sacerdote, mas de um homem que ama o mundo em que vive, porque sabe que ele é obra e criação do Pai e é a nós – todos nós! – que cabe a tarefa de o defender.
Olhar para os casos da vida é fazer uma caminhada, uma caminhada de reflexão constante, que, no tempo de Quaresma que agora vivemos, é oportuna e indispensável. Através de um meio de comunicação, usando a linguagem que é peculiar do género jornalístico em causa, é estar entre os homens, entre as multidões e ser, modestamente e à minha maneira, um ator mais no anúncio da Boa Nova, ou se quiserem, um anúncio do que se espera que deva ser o coração coletivo dos homens: generoso e irmão. Por oposição, o silêncio seria o conformismo e a derrota, o cruzar de braços ante aquilo que não deve ser silenciado.
Por isso, a minha Quaresma será este exercício permanente de introspeção, de modo a que possa contribuir, como sou capaz, para que as palavras do Papa Francisco sejam verdade também para mim: «O cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão e a vida eterna. O Senhor convida-nos a sermos jubilosos anunciadores desta mensagem de misericórdia e esperança (Papa Francisco, Mensagem para a Quaresma, 2014).»