Estava em viagem. Para me distrair, percorria o ecrã do telemóvel, saltando de rede social, em rede social, que, por estes dias, estão inundadas de conteúdos relativos à morte e cerimónias fúnebres da Rainha Isabel II, de Inglaterra.
De repente, dou com um pequeno vídeo, no Instagram do Vatican News, com um excerto do que havia dito o Papa Francisco, durante a reflexão do Angelus, do passado domingo (dia 11 de setembro). Parei. Ouvi e voltei a ouvir. As palavras eram estas:
«Pensemos em alguém que conhecemos, que está ao nosso lado e que talvez nunca tenha ouvido uma pessoa dizer-lhe: “- Sabes uma coisa? Tu és importante para Deus” … “- Mas, por favor, eu estou em situação irregular, fiz isto errado, fiz aquilo” … Tu és importante para Deus: digam-no. Tu não o buscas, mas Ele busca-te».
Passei várias vezes o pequeno vídeo atrás e, de cada vez que o fazia, percebia de novo o quão gratos devemos ser ao Espírito Santo e ao Pai Celeste, por nos ter dado um Pastor, um sucessor de Pedro que valoriza mais o afeto, que o pecado.
Recordei, como aconteceu outras vezes, episódios distintos e elucidativos de que Jesus, Nosso Senhor e Rei, também era assim: quando se sentou com os pecadores; quando questionou os que apedrejavam a mulher adúltera; quando conversou com a Samaritana; quando pediu a Zaqueu para comer em sua casa; quando consolou o bom ladrão, crucificado a Seu lado.
Recordei rostos de gente sobranceira, que julgou e julga, questionou e questiona, deixando marcas em tantos, marcas que não se apagam.
Recordei tantos, que foram postos de lado, apenas por serem o que são, por amarem quem amam, por terem a cor da pele que Deus lhes deu, por terem um sexo que deveria ser submisso e obediente; por não estarem no país de origem; por serem pobres.
Recordei momentos em que a dor encheu o meu peito, por também eu sentir esse peso do olhar alheio, carregado de intenções cinzentas.
Recordei as minhas falhas, as minhas quedas, as que me fizeram igual a qualquer pecador deste mundo.
Recordei os que morreram acreditando na bondade divina. Sem duvidar, mas sem terem ouvido da boca de outro vivente, que valiam algo, que eram importantes.
E ouvi, entre as minhas têmporas apertadas, porque não sei chorar (facto que não desejo a ninguém), o sangue a passar rápido, com um zumbido audível bem no fundo dos tímpanos. A emoção, essa traiçoeira característica de todos nós, humanos, deixou-me ali, perdido nos pensamentos, mas, sobretudo, nos sentimentos: Ele, «o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido» (Lucas 19:10). Ele, busca-nos. Procura no silêncio e no ruído; na dor e na alegria; na sombra e na luz, incessantemente. Procura-nos, porque Ele é só e inteiramente Amor. Digo devagarinho palavras que não se ouvem, a não ser no meu coração, na minha cabeça: «A minha alma anseia por Vós, Senhor (Salmo 41/42).
Saio do comboio. As pernas não me obedecem. Passado algum tempo, vejo o rosto sorridente e amável de Manuel, meu professor e amigo e prometo: vou-te dizer como és boa pessoa e como tenho um profundo respeito por ti. Ele sorri e diz: «Miguel, sou só um filho de Deus».
Somos todos. Muito amados. Já o disse hoje a alguém?