
A semana passada ocorreu um facto histórico, a que muito boa gente não deu importância, nem sequer chegou a visualizar a imagem que lhe deu substrato: o Bloco de Esquerda (BE) reconheceu a existência de Deus. E há lições a retirar.
Num cartaz colorido, próprio de um qualquer artista da corrente pop art, mostrava-se Jesus, retratado na sua evocação do Sagrado Coração e em letras grande dizia-se: «Jesus também teve dois pais». Pretendia-se, dizia o BE em comunicado, «nas redes sociais, com recurso ao humor, chamar a atenção para a conquista da igualdade entre todas as famílias», ou seja, chamar a atenção para a aprovação no parlamento da adoção de casais do mesmo sexo, a 10 de fevereiro.
Assim que o cartaz começou a circular nas redes sociais, surgiram as opiniões, contradições, indignações e outras que tais, mas na verdade, o que estava em causa não era uma mentira, pois de facto Jesus teve dois, pais – Deus Pai e S. José, que foi seu pai adotivo -, mas sim uma omissão deliberada, que esquecia que Ele teve, também, uma mãe e uma mãe presente em todos os momentos da sua vida, como é fácil perceber pelos relatos dos quatro evangelistas: na infância, durante a qual O protegeu de todos os perigos; na adolescência, em que percebeu a Sua forma diferente de ser; na vida pública, quando caminhava escutando as Suas palavras; na morte, aos pés da cruz. A mãe de Jesus foi uma mãe real, que sofreu as dores do parto e a dor de O perder. Foi uma mãe alegre com as suas alegrias e sofrida com as suas angústias.
Petições entregues na Procuradoria-Geral da República, declarações dos partidos políticos, da Conferência Episcopal Portuguesa e do Cardeal Patriarca, bem como de diversos bispos e figuras públicas e o cartaz sempre a circular… Houve reações e contra cartazes e um agitar de vozes, mas a onda que sempre se gera nestes momentos em que algo é novo nos media (e que tem um nome, segundo as teorias da comunicação, mas que não vale agora a pena mencionar), acabou por acalmar com declarações de duas das figuras de proa do BE: a sua porta-voz, Catarina Martins, que afirmava que o cartaz havia sido «um erro» e que «não havia sido compreendido» e Marisa Matias, candidata à presidencia da República, escrevia na sua página de facebook que «saiu ao lado da intenção que se pretendia. Que foi um erro».
Acredito que todos os erros, sempre que desconstruídos e analisados, servem para se retirarem ilações positivas e neste caso há claramente uma, como já afirmei: o reconhecimento da existência do Pai Celeste, Pai de Jesus, Deus. E isso é importante e positivo, sobretudo quando provém de um partido de esquerda, que desvaloriza a prática e os valores religiosos. Deus existe. E todos temos o direito de acreditar e de nos sentirmos magoados quando, na mais profunda das nossas fés, nos sentimos ofendidos.
E cá ficam as lições: diz-se, muitas vezes, que a nossa liberdade começa e acaba quando começa a de outro cidadão. É verdade. Para que não nos atirem pedras, usando a imagem bíblica, não devemos atirar pedras uns aos outros e, como tal, o uso que fazemos dos nossos direitos deve ter sempre em vista o facto de não vivermos sós. Há nossa volta há quem pense e acredite em coisas diferentes daquelas que fazem parte das nossas vidas e todos temos direito a viver essas convicções. Em democracia as leis são aquilo que as maiorias ditam, mas as vozes que discordam também têm o seu espaço. E se em tempos o BE foi essa minoria e teve oportunidade de se expressar, agora, que se vê como força política de uma maioria, nada mais se espera senão que comunique com respeito por aqueles que não partilham dos mesmos ideais. E o mesmo vale para todos nós, cristãos católicos, ou não; muçulmanos ou não; ou de qualquer quadrante político, desportivo, o que seja. No respeito geramos o bem comum, ainda que não sejamos muito capazes de compreender que o estamos a fazer. E isso é o que verdadeiramente importa. Por isso, depois de analisado, um cartaz e muitas ideias depois, há várias verdades a guardar.