
Estes dias tem havido bastantes jogos de futebol, sobretudo de apuramento para o Campeonato da Europa. Tenho-os acompanhado por estar ausente de Portugal. Dei particular atenção aos jogos das seleções irlandesas. Sim, porque há duas: a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.
Os fãs de ambas são muito parecidos fisicamente, no ânimo que colocam nas suas manifestações de afeto pela sua equipa e pelos jogadores. Gritam, cantam, saltam, vestem-se a rigor e acompanham com fervor os seus ídolos. Mas, na verdade, há mais a separá-los do que somente o futebol dividido em duas nações.
São efetivamente dois países, dois povos feridos, há muito, por uma divisão política e religiosa. E eu diria mais política do que religiosa.
Desde a chegada dos ingleses à ilha da Irlanda, em 1169 e tendo sido feito senhorio desta terra o rei inglês João (conhecido como Sem-Terra) em 1177, que há um forte desejo, nos irlandeses, de independência, de governação autónoma, que teve o seu apogeu em 1922, com o final da guerra da independência e assinatura do tratado que regulava a separação da República da Irlanda do Reino Unido. Permaneceu ligado à velha Albion o Ulster, ou Irlanda do Norte, que viveu, desde 1969 e até 1998, altura em que foi assinado um tratado de paz entre o IRA e o Governo Britânico, em estado de guerra, um conflito conhecido como “The Troubles” (os problemas, na minha tradução livre e literal do termo) e que levou à morte de muitos e à perda de qualidade de vida de tantos que ficaram feridos física e psicologicamente.
Para quem está fora da questão esta disputa é vendida como um problema religioso, em que católicos e protestantes não conseguem entender-se. Efetivamente há muitas razões ligadas à prática religiosa que motivam a desavença e que remontam, por exemplo, à aplicação das “Penal Laws” (1778) e estas diferenças persistiram até ao século XX, estando vedado aos católicos, por exemplo, o exercício a atividades ligadas à advocacia e à magistratura.
No entanto, e na minha modesta opinião, tudo se resume a questões de direitos sociais, de política, de economia, ou se pensarmos como os nascidos na década de 60 do séc. XX, questões de direitos civis. Quando um povo se sente pouco livre e não percebe ter direitos iguais aos que considera estarem a subjugá-lo, há sempre insatisfação e nada parece fazer sentido. Por vezes, é mais fácil culpar a religião e dizer que esta é a causa de todas as desavenças, ao invés de assumir que existe algo mais profundo e mais humano, mais ligado ao âmago da nossa existência terrena, do que as convicções e práticas religiosas de gente que até acredita no mesmo Deus e no Seu Filho Jesus Cristo.
É como no futebol: é mais fácil ter duas seleções do que uma só, ainda que os adeptos sejam tão idênticos. Pena é que, com o aproximar do Brexit, esta questão, aparentemente resolvida e estável, possa novamente ganhar asas e, ao invés de nos regozijarmos com golos, corramos o risco de nos entristecer com mais conflitos. O que queremos é, evidentemente, uma só Irlanda, para que a Irlanda nunca mais volte a estar só ou a sentir-se como tal.