
Pensei começar a escrever este texto brincando com o meu próprio peso, assunto que muitas vezes gera conversas entre os próximos e menos próximos, umas vezes com maior sentido de humor, outras menos, ferindo ou não, conforme as circunstâncias.
Pensei em brincar com a quadra que hoje acaba, em Dia de Reis e com o muito que se comeu e bebeu e folgou, como é tradição no nosso e em muitos países do mundo.
Pensei em tantas coisas, mas sobrou apenas e só a amargura, que hoje me faz estar inquieto e com a sensação de que este dia não vai ser igual aos outros.
Certamente, tal como eu, muitos dos que lerão este texto não conhecerão MADAYA, mas este é um nome a fixar. Não por boas razões, aviso já.
Madaya é a epítome do que hoje acontece no Médio Oriente, nos muitos países que sofrem com a guerra imposta pelo Daesh/Estado Islâmico. Nesta cidade Síria, a população vive cercada, no caso pelo exército sírio. Ninguém pode sair, pois todos os acessos são controlados por check points ou pela colocação de minas. Quarenta mil pessoas, que são a totalidade dos habitantes deste lugar sitiado há praticamente cinco anos (desde que começou a guerra) morrem à fome e não têm qualquer tipo de cuidados, médicos ou de outra natureza, até porque os medicamentos pura e simplesmente não existem. Não têm nada, absolutamente nada. Nem esperança. Morrem à fome e procuram proteger as crianças dando-lhes tudo o que lhes aparece: bebem água com ácido cítrico e sal, comem ervas, relva, folhas de árvore e, até, os cães e gatos que vão encontrando… O relato desta existência desumana chega pela voz de um médico que de lá conseguiu sair e reside nos EUA, feito na primeira pessoa à TSF, rádio portuguesa. O mundo olha para Madaya porque um grupo de homens, todos magros e com olhar vazio, tiraram uma foto, com um cartaz a implorar a ajuda do Papa e da ONU, para que se salvem as crianças. A frase é esclarecedora: «Não nos importamos que o Assad mate os adultos, mas por favor salvem as crianças de Madaya, que morrem à fome».
Nunca vivi uma situação de guerra, mas conheço quem o tenha experimentado. Aliás, muitos de nós conhecemos e não o reconhecemos, pois o preconceito em relação aos nossos compatriotas que vieram das ex-colónias continua a ser muito grande. Os relatos de quem sofre esta realidade nunca são felizes… Revelam amarguras imensas, traumas inultrapassáveis… E no entanto, há quem continue a recusar-se a ajudar; há quem produza comentários xenófobos e desumanos sobre os refugiados que apenas procuram a segurança; há quem os considere “animais”, como tenho infelizmente visto em comentários de cidadãos comuns, nas redes sociais, sempre o que tema é mais quente nos media.
MADAYA é um nome a fixar. Apenas e só, porque nos deve fazer compreender que somos todos homens e mulheres e enquanto tal, todos temos direitos, sobretudo as crianças, que devem crescer com saúde, paz e liberdade para serem aquilo que os seus sonhos lhes ditarem. Madaya será sinónimo da nossa vergonha como espécie que não sabe viver em harmonia, criando no diálogo e no entendimento, as bases para um mundo melhor. Madaya está em nós, no meio de nós, rodeia-nos. E precisamos de a conhecer, para que ela volte a florescer como um espaço de humanidade, sobrepondo-se ao egoísmo e aos interesses mesquinhos que nos aviltam e degradam. MADAYA é um nome a fixar!