Padre Miguel Neto

Já passava das 17h30, quando liguei a televisão e estava a começar a votação da chamada “Lei da Eutanásia”, ou seja, das quatro propostas apresentadas pelo PAN, BE, PS e PEV, que previam a legalização da morte medicamente assistida.

Explicava o Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que os vários líderes das bancadas parlamentares haviam chegado a entendimento quanto à forma da votação: seria nominal, ou seja, cada deputado seria chamado, individualmente e de viva voz, a indicar o seu voto, como aliás está expresso no regimento deste Órgão, que diz: «Qualquer outra matéria pode ser sujeita a votação nominal, se o Plenário da Assembleia da República ou a Conferência de Líderes assim o deliberar. Esta votação é feita por ordem alfabética, sendo a expressão do voto também registada por meio eletrónico». As razões já haviam sido mencionadas em artigos de imprensa, entrevistas e comentários: estava em causa um assunto delicado e em relação ao qual PS e PSD, que somam 175 dos 230 membros do plenário, deram liberdade de voto aos seus deputados, para que escolhessem o sim ou o não, de acordo com o que seria mais correto em função da sua consciência, das suas convicções individuais. CDS e PCP indicaram antecipadamente que votariam contra e também tornaram públicas as suas razões.

Estava estabelecido um cenário de improbabilidades e incertezas, ignorando todos nós, que àquela hora ligássemos a televisão, qual seria o desfecho de tal votação.

A SIC Notícias, que então segui, pela voz da sua jornalista parlamentar Anabela Neves, foi enumerando, um a um, dando os nomes de todos (tal como era feito na chamada ao voto pelo Presidente da Assembleia da República) e o sentido de voto de cada deputado. Todos foram identificados e todos foram “arrolados” no lado do sim ou do não, como é de esperar numa votação nominal.

Importava-me, enquanto cidadão, saber como corria esta votação, mas também saber como votava cada deputado. Quando voto, quaisquer que sejam as eleições, entendo que devo votar o mais conscientemente possível, escolhendo as propostas e as pessoas que melhor defendam as ideias em que acredito e que considero que devam ser refletidas naquilo que é a governação do pais, naquilo que é o trabalho de criação de legislação, naquilo que é a gestão dos dinheiros públicos, para os quais todos contribuímos, através dos nossos impostos e do nosso trabalho. Importava-me perceber quais seriam as dúvidas e questionamentos sobre um tema tão delicado e tão fraturante como a eutanásia e entender quem, em cada partido, manteria uma linha de conduta que melhor me permitisse perceber, afinal, quais as suas convicções sobre este tema. E estou certo que muitas mais pessoas como eu estavam à espera de perceber todo este processo e toda esta manifestação pública – porque todos os deputados o fizeram individualmente, livremente e publicamente.

Considerei indispensável o trabalho dos meios de comunicação, que nos deram a conhecer em direto (muitos deles – a SIC, que atrás mencionei e que acompanhei) e em artigos onde identificaram os que votaram contra e a favor (por exemplo, O Observador). Outros meios de comunicação, regionais, deram a conhecer o sentido de voto dos deputados eleitos pelos seus círculos eleitorais. Veja o caso do Jornal do Centro, de Viseu ou do Notícias de Coimbra.

Tenho o direito de saber e importa, pois, que os media informem. É essa a sua missão. Não se trata de invasão de privacidade, nem de um relato de algo que se encontre em segredo (seja ele de justiça ou de outra qualquer natureza). É um facto público, que enquanto cidadão me interessa e me ajudará a refletir quando entender assim necessário. Não se trata de julgar, mas de ponderar, porque é isso que está em causa em democracia, quando votamos: ponderar sobre o caminho que entendemos ser o melhor para vivermos em conjunto e que serve melhor para construir o futuro do nosso país e, em conformidade, escolher votando. E em democracia aceitamos isto. Que o que é público – como os nossos votos e visões sobre o mundo e sobre temas complicados como a eutanásia – concorre para a formação da opinião pública e que essa opinião é expressa livremente em sufrágio. Mais ainda: em democracia aceitamos que o papel dos meios de comunicação é informar e que esse é um serviço público. E que a cada cidadão importa saber, saber mesmo tudo, para que melhor possa decidir, em todas as horas a que a isso for chamado.