Padre Miguel Neto

Basta uma leitura superficial da história da Igreja, feita através de banais livros de ficção histórico-religiosa, adquiridos em qualquer estação de serviço ou posto de correio, para qualquer pessoa perceber que, ao longo dos últimos 2018 anos, esta instituição está repleta de jogadas palacianas e episódios mal contados e que aconteceram para alguém conseguir o poder a todo o custo.

Logo no grupo dos doze apóstolos, dois deles tentam influenciar Jesus Cristo, para serem mais que os outros dez. pedem Tiago e João: «Concede-nos que na tua glória nos assentemos, um à tua direita, e outro à tua esquerda» (Mc 10, 35-45), buscando lugar de destaque e honras especiais, próprias de homens que anseiam “subir” a posições superiores às dos demais.

Ao longo de vinte e um séculos houve de tudo: três papas em simultâneo, mortes de papas muito mal explicadas, papas exiliados à força, governantes de diversa ordem que sabotaram e influenciaram a decisão do conclave. Não podemos esquecer a vida imoral, o nepotismo e o nicolaísmo praticado por tantos bispos e presbíteros ao longo destes séculos. Mas perante isso houve pessoas santas? Houve. E muitas. Aliás, foi nos tempos mais negros e pecaminosos da história da Igreja que apareceram santos como S. Francisco de Assis, Santa Catarina de Sena, Santa Brígida, Santo Inácio de Loyola.

O facto de a Igreja subsistir a todos os problemas e maldades históricas é a prova que a santidade superou, supera e há-de superar o pecado dos homens da Igreja. O que no tempo presente é diferente do tempo passado são dois aspetos essenciais: formação e informação.

Nunca a hierarquia da Igreja Católica teve que lidar com tantas pessoas formadas academicamente e informadas como nossos dias. A hierarquia mais conservadora e tradicionalista está a revelar dificuldade em lidar com fiéis leigos melhor formados escolarmente do que eles e com um saudável sentido crítico do mundo, para além de terem um forte desejo de transparência, que provém do facto de estarem muito mais informados sobre o mundo em que vivemos, na grande maioria dos casos, mais do que essa hierarquia tradicionalista, ou como diz o Cardeal Ravasi, «esclerótica e muito rígida».

O Papa Francisco é um homem que tem lutado pela transparência a todos os níveis na Igreja: transparência económica, transparência moral, transparência de costumes e de vida. Como sempre, nos tempos difíceis e negros, a santidade surge na Igreja. E o Papa Francisco encarna essa santidade que a Igreja contemporânea precisa para ultrapassar os tempos difíceis do presente. E não perde o sono por ser criticado ou por saber que, na Cúria e noutros sectores da instituição, há críticos ferozes, que gostariam de ocupar o seu lugar e, consequentemente, outros lugares de poder. E acorda com energia, porque a Igreja, nós, que devemos ser irmãos dentro desta casa, desta instituição onde a cabeça deverá ser somente Cristo, precisamos dele. Porque Francisco dorme, verdadeiramente, o sono dos justos.