
Nos últimos anos, porque o tempo não me chega e porque nas paróquias onde trabalho e trabalhei sempre fizemos bonitos presépios, não “armei”, como se diz em bom algarvio, o meu presépio pessoal. As figuras que o compõem estão todo o ano presentes no meu espaço de trabalho e nesta altura do Advento, mesmo sem as colocar em destaque ou as alindar, como se faz quando se cria o presépio, acompanham as minhas reflexões. Dou por mim a olhar para elas e a pensar: Senhora, tu és a mãe do Salvador. O que sentiste quando soubeste que o ias carregar no teu ventre? E ao longo da vida, quando Ele, adulto, se afastou para cumprir a sua missão? E estar aos pés da cruz, vendo o sofrimento imenso que Ele viveu? Vejo na imagem da mãe de Cristo tantas das minhas paroquianas: as que gostariam de ter um bebé e vivem dificuldades nesse seu desejo; as que vêm os filhos partir para a Universidade e deixar o lar onde cresceram, sorriram, brincaram, tornando-se homens e mulheres independentes e tantas vezes distantes; as que acompanham as doenças dos seus filhos e que chegam a perdê-los em tenra idade, num sofrimento que é indiscritível para quem trouxe alguém ao mundo…
Olho para S. José, com o seu cajado de homem que trabalha e que protege e que busca o cuidado dos seus e vejo os homens trabalhadores da minha comunidade, que arregaçam as mangas e que partilham as tarefas com a sua família. Ensinam-nos, desse modo, a sermos, à sua imagem, verdadeiros adultos, verdadeiros seres humanos, generosos e sinceros, honestos, com medos, angústias, receios, mas vivendo ali, lado a lado com os seus, amparando-os e dando-lhes a sua força, mesmo que tantas vezes, no seu silêncio significativo, estejam de coração apertado. Tudo isto sendo capazes, igualmente sem receio, de serem carinhosos, amorosos, verdadeiramente capazes de expressar os seus sentimentos, porque isso não os diminui de modo algum.
E Aquele Menino, Filho de Deus e homem como nós, dormindo em paz nas suas palhinhas, como se nada O pudesse perturbar, sendo verdadeiramente humano e feliz? Vejo-O nos sorrisos dos meninos da catequese que, quando interpelo na Eucaristia, me respondem com verdade, aquela verdade e sinceridade que só as crianças têm. Vejo-O na curiosidade com que exploram tudo, de olhitos inquisidores e mãos curiosas. Vejo-O no carinho com que olham os seus pais e familiares. Vejo-O em tantos gestos banais e aos quais habitualmente não damos valor, mas que feitos pelas crianças são verdadeiras lições de vida.
Não “armo” o presépio, mas ele está comigo no Advento e deve estar com todos nós, ajudando-nos a meditar a alegria e o dom da vinda de Cristo, que recordamos todos os Natais. E é essa também a proposta do Santo Padre este ano. Francisco escreveu a carta apostólica Admirabile Signum (Sinal Admirável, que podem encontrar em https://agencia.ecclesia.pt/portal/wp-content/uploads/2019/11/SinalAdmiravel_2_CartaApostolicaPapaFrancisco.pdf), sobre o significado e valor do presépio, a representação do nascimento de Jesus, os seus símbolos.
Em Greccio, cidade italiana localizada perto de Assis, onde S. Francisco terá “armado” o primeiro presépio em 1223, o Papa salientou a importância de «redescobrir a simplicidade» através deste gesto, de nos identificarmos com os protagonistas desta história – Maria, José, os Pastores, os Magos, o próprio Menino Jesus – , captando «o essencial», nesta nossa sociedade que é marcada pela velocidade e onde o silêncio e a oração ocupam lugares secundários. Dizia Francisco nos momentos antes de assinar a Carla que a todos convido a ler: «Silêncio, para contemplar a beleza do rosto do Menino Jesus, o Filho de Deus nascido na pobreza de um estábulo. Oração, para expressar um obrigado, maravilhado com este imenso presente de amor que nos é feito» e convidou-nos a todos a perpetuar este «sinal simples e admirável do presépio», procurando, como «os pastores de Belém», a acolher «o convite para ir à gruta, para ver e reconhecer o sinal que Deus nos deu. Então, o nosso coração ficará cheio de alegria e poderemos levá-la onde houver tristeza; estará cheio de esperança, para ser partilhada com aqueles que a perderam».
Também vos convido a todos a “armarem” os presépios nas vossas casas, em família, recordando a história da nossa Salvação e o seu início humilde e humano, tão humano como nós e por isso tão carregado de esperança e que, orando em família e nas nossas comunidades, diante de tantas imagens do Menino Jesus, possamos compreender o verdadeiro significado deste tempo, um tempo de luz, em que o que é bom deverá vencer as trevas: a generosidade ao invés do consumismo; o acolhimento ao invés da maledicência; a humildade ao invés da soberba e da falsidade. E que seja esta a nossa caminhada do Advento.