Foto © Samuel Mendonça
Padre Miguel Neto

“Servir” – como outras da língua portuguesa, esta é uma palavra muito complexa.

São vários os significados que lhe são atribuídos e alguns são, curiosamente, antagónicos. Vejamos: servir pode significar “Ser útil ou prestável a”1, mas também pode significar “Aproveitar-se”. Do mesmo modo pode querer dizer “Cuidar de” e, por outro lado, “Viver na dependência de alguém”.

E a verdade é que olhando para o mundo, para a sociedade, para quantos nos rodeiam, facilmente observamos modelos de comportamento que ilustram as diferenças de significação. Há quem muito seguramente vá subindo a escadaria social, em direção às suas metas de vida, sem medo de pelo caminho usar, bajular, enfim, tudo fazer para atingir os seus propósitos. E nesse sentido, não terão medo de viver à sombra de alguém, dependendo ou fazendo que dependem, para que tudo lhes seja facilitado e concedido.

E há, igualmente, os que são verdadeiros modelos de cuidadores, de seres úteis até ao limite da sua própria história, não concebendo a existência humana de outra forma que não seja a da entrega total e plena, porque só ela os preenche total e plenamente. Há bem poucos dias tivemos a possibilidade de nos associarmos à festa da canonização de Santa Teresa de Calcutá, exemplo desta capacidade de olhar para os outros como parte de si mesmos.

E, é claro, também existimos nós, todos aqueles que, com esforço consciencioso, tentamos equilibrar todos os ângulos da nossa humanidade e, tantas vezes de forma imperfeita e insegura, colocamos a render o nosso esforço em prol do bem comum. Dignamo-nos, porque servir também é “Dignar-se”. É agir, sabendo que podemos errar, mas com a segurança de que se não agirmos nada muda, nada segue em frente e progride. Ao contrário daqueles que nada fazem e estão sempre dispostos a criticar os que fazem algo, quem procura servir para construir o bem comum, entrega o seu coração ao Criador e confia no Seu Espírito para o guiar. E sabe que vai cair. Muitas vezes. Mas que se vai levantar e haverá alguém a seu lado que será o seu estímulo e a sua energia e a sua motivação para seguir em frente.

Não é um caminho fácil. Vencer “o bom combate” exige tanto de nós, que às vezes sentimos que a força que temos não é suficiente… Coxos, vergados pelas dificuldades que temos de atravessar; cegos, sim, cegos, porque nem sempre somos capazes de ver o caminho certo; humildes e pequenos como os ratos, que assustados buscam refúgio nas suas tocas; assim somos tantas vezes. E é nesses momentos que vencendo-nos, erguendo-nos e arregaçando as mangas para o trabalho, juntando forças com outros tão cegos como nós, nos engrandecemos e nos aproximamos um bocadinho do modelo perfeito de Jesus Cristo, o Filho do homem que não veio para ser servido, mas para servir (Marcos 10:42-45).

A consciência das nossas limitações é a medida das nossas capacidades, pois quem se esforça verdadeiramente e procura servir humildemente revela um coração capaz de sentir, capaz de se compadecer, capaz de se tornar próximo do seu semelhante. Ao invés, quem soberbamente se julga capaz de ser melhor que o seu irmão, serve-se e não se digna. Não vive a alegria de servir.

1.“servir”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/servir [consultado em 27-09-2016].