Padre Miguel Neto

Enquanto escrevo, o povo com maior influência linguística na Europa e no mundo neste último século continua em suspenso para saber se os seus políticos aprovam ou não o regresso à total separação económica do Reino Unido da União Europeia. Se tal acontecer, entramos, provavelmente numa era anacrónica. O povo que deu origem à maior língua desta organização económica, política e transfronteiriça, deixa de fazer parte dela. Todos recorremos a uma língua, a língua cujo seu criador pura e simplesmente não quer falar connosco. Confuso? O povo inglês certamente também está… Naturalmente, não me refiro só ao idioma inglês, mas à linguagem global da união económica, ao respeito por valores que fundaram a União Europeia e que foram, em grande medida, os valores que sempre vimos defendidos pelo Reino Unido, aliás, uma nação ela mesma constituída por diversos países, com características distintas entre si, mas que há séculos se uniram sob a mesma bandeira.

Simultaneamente, assistimos atónitos e preocupados, à constante luta popular pela independência da Catalunha, na nossa vizinha Espanha, que, por seu turno, sempre foi mais dividida que unida, embora também e curiosamente sob uma mesma bandeira. A Espanha sempre soube lidar melhor com a sua importância exterior, do que com unidade interior. Conquistou o mundo e quase nunca soube unir-se em volta de um desígnio comum. A Espanha que, como defendia Miguel Unamuno nas suas conversas com o seu amigo português Teixeira de Pascoes, devia ser mais identitária e unida, como Portugal.

Assim, salta à vista uma inevitabilidade. Quer se queira quer não, o cristianismo foi e continua a ser a única identidade que, durante séculos, uniu a Europa profundamente dividida e em guerrilha. Com a proclamação, em 380, do cristianismo como religião oficial do Império Romano, começou uma era em que, independentemente das guerras para conquista de território ou tronos, ou das guerras civis ou entre povos diferentes, houve algo que nos uniu e nos continua a unir permanentemente: a raiz cultural cristã, que é transversal e livre de qualquer prisão geografia ou étnica.

Pena é que os políticos não queiram ver isso. Quando se ataca o Cristianismo, ou quando somos indiferentes perante ele, estamos a atacar e a ser indiferentes às nossas origens, à nossa matriz comum, àquilo que verdadeiramente nos pode manter dentro de um caminho comum e pacífico. Só o Cristianismo une e cria comunhão. Só o Papado cria laços comuns. Mesmo quando o Sumo Pontífice não é europeu, é ele a grande referência humanitária e de conciliação neste continente dividido entre grandes lutas económicas e pequenas lutas étnicas e identitárias.

E mais uma vez, o que se vive no ambiente físico reproduz-se no digital: formamos grupos baseados nas nossas cosmovisões do mundo, nas nossas referências e ficamo-nos por aí. Tribalizamo-nos, porque aceitar a diferença, que é sem dúvida positiva e nos deve obrigar a refletir para melhorar as nossas ações e personalidades, torna-se inviável, pois no gueto das nossas vontades e no canto dos que só pensam como nós não conseguimos entender que a união é muito mais poderosa do que a solidão. Assim está o Reino Unido e assim está a Catalunha e todos os que procuram implementar ideais separatistas e xenófobos e incapazes de perceber a beleza e a diversidade que Deus propõe ao Homem e que lhe confere mais possibilidades de fazer brilhar a sua inteligência, seja ela a social, a cognitiva ou outra qualquer. Mesmo os que se assumindo como cristãos – que também há, infelizmente! – defendem radicalismos e outros “ismos” que não combinam com os valores centrais propostos pelo Evangelho.

Isto é algo normal na Sociedade em Rede em que vivemos, uma sociedade em que procuramos validar o nosso pensamento com um pensamento igual e em que o que é diferente e vem de outro continente ou de outra corrente filosófico-ideológica nos assusta e nos faz criar muros, sejam eles físicos ou interiores. Para os cristãos só pode haver um caminho: unamo-nos a Cristo se quisermos estar unidos aos nossos irmãos europeus. Porque na fragmentação não partilhamos a mesma identidade e é ela – esse pensamento e logos cristãos (A palavra é Deus, João 1:1) – que nos dá suporte. Ela está centrada na pessoa de Cristo, fonte de unidade e comunhão, desafiador à criação dessa cidade comum e onde todos somos (seremos? Se quisermos…) realmente irmãos.