Padre Miguel Neto

Tema da atualidade tem sido, nos últimos dias, o “jogo” Baleia Azul. Chamo-lhe” jogo”, por ser assim que todos se têm referido a este sinistro conjunto de reptos que, online, são propostos a quem resolve “aderir”.

Ao que se sabe, a origem deste fenómeno é uma rede social russa e países como o Brasil possuem largos números de seguidores/participantes. A quem se junta a este grupo é proposto um conjunto de 50 desafios, que incluem automutilação, visualização de filmes de terror, audição de reportório musical específico e, em última instância, o suicídio. Há sinais de que os participantes são ameaçados caso desistam ou não cumpram as propostas que lhes chegam e que as suas famílias também o serão.

E, naturalmente, já surgiram as vozes críticas das redes sociais, do digital, dos que consideram que tudo o que existe no mundo virtual é mau e deve ser banido.

Este, como outros fenómenos de violência que surgem pelo uso do espaço digital, são somente o reflexo do mundo real que temos, um mundo em que crianças e jovens permanecem horas e horas sozinhos, porque os seus pais estão a trabalhar e até têm horários por turnos, não podendo acompanhar os filhos; um mundo em que, mesmo sem responsabilidades laborais específicas, os pais pouco interesse têm nos seus filhos, promovendo o cumprimento de cada vontade, de cada capricho, somente para seu sossego e tranquilidade; um mundo em que se desrespeitam professores, forças da autoridade, enfim, todos os que podem definir regras e exigir o cumprimento das mesmas; um mundo em que é mais simples dizer disparates sem sentido e participar em atividades ocas, do que olhar para dentro de si mesmo e para os outros e considerar caminhos de crescimento e de partilha.

Vivemos num tempo marcado profundamente pelo individualismo pela competição, pela autossatisfação e, naturalmente, os mais frágeis, aqueles que não conseguem “ter jogo de cintura” para encarar os desafios, repensá-los e retrabalhá-los, se tornam vulneráveis às ameaças dos oportunistas, aproveitadores e mal formados. Aqueles que, no mundo físico também são capazes de gerir redes de prostituição e tráfego humano, produzir fraudes financeiras gigantescas, chantagear, assaltar, assassinar… Porque o caráter das pessoas é tão real no mundo físico, como no digital e em ambos encontra formas de se manifestar.

Quem sofre está sempre mais exposto a tudo o que de mal o mundo lhe possa fazer, porque as barreiras psicológicas, físicas, emocionais não são firmes. Quem tem uma enorme necessidade de afeto, com facilidade cai nas garras de quem lhe dá atenção e perde-se nas malhas de teias muito bem urdidas com o intuito de explorar as debilidades mais reais.

Naturalmente que o “jogo” Baleia Azul é condenável. Devia desaparecer e os seus promotores julgados e condenados pelos atos criminosos que promovem e pelo mal que causam. Naturalmente.  Repito: naturalmente.

Mas mais do que culparmos o digital, mais do que desresponsabilizarmos a comunidade em geral e quem está próximo destas vítimas – sim, porque os” jogadores” são vítimas e a Baleia Azul não é “jogo”, nem tão pouco castigo. É violência! -, há que refletir em conjunto nas formas que estão ao nosso alcance para ajudarmos a prevenir estas situações, formas de proteger quem realmente precisa. E de colaborar com as famílias – na escola, na catequese, nos grupos de jovens, nos clubes desportivos , nas autarquias, etc. – de modo a que os mais novos possam estar mais preparados, mais atentos e mais dispostos a ter um olhar crítico e auto protetor no uso que fazem do digital. E os adultos também.

Quem precisar de ajuda mais específica, pode sempre recorrer a algumas instituições que têm serviços especificamente preparados para ajudar a lidar com situações de abuso online ou simplesmente dar apoio, conselhos, responder a dúvidas, como por exemplo o Centro Internet Segura (http://www.internetsegura.pt), consórcio que junta a Fundação para a Ciência e Tecnologia, o Ministério da Educação, o Instituto Português do Desporto e Juventude, a Fundação PT e a Microsoft e que tem feito um trabalho notável junto de vários públicos (professores, estudantes, entre outros) na promoção de um uso do digital com menos perigos.

E em última instância, a Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime da Polícia Judiciária também está sempre disponível para apoiar quem pede a sua colaboração.

A cada um de nós cabe a responsabilidade de olhar para quem nos rodeia e estar disponível para, no mundo físico e no mundo digital, ser um verdadeiro amigo, um porto seguro, onde se encontra conforto e ajuda nos momentos em que ela é precisa e se vivem e partilham as alegrias, sempre com humanidade e coração generoso. Porque ambos os mundos são reais e fazem parte das nossas vidas. E se a nossa boa natureza vencer, tudo o que fizermos e criarmos será espelho de quem é verdadeiramente filho de Deus. E as baleias azuis apenas terão o seu espaço enquanto maravilhosas obras do Criador.