Bruna Saraiva é algarvia e tem trabalhado com o Comité Organizador Local da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) 2023 para que ela possa ser o mais inclusiva possível. A jovem escuteira faz parte da equipa que traduziu para Língua Gestual Portuguesa (LGP) o hino e as meditações do terço que integraram uma edição publicada no final do ano passado, adaptada também para linguagem pictográfica e braile.

A jovem surda de 20 anos – pertencente durante muitos anos ao Agrupamento 714 – Albufeira do Corpo Nacional de Escutas e desde janeiro deste ano ao Agrupamento 1324 – Sé de Faro –, é também a intérprete dos vídeos técnicos do hino e do terço da JMJ e deverá também integrar o coro de surdos ‘Mãos que Cantam’ que interpretará as músicas litúrgicas nos eventos centrais do encontro em Lisboa.

Em declarações ao Folha do Domingo, Bruna Saraiva, que tem participado em reuniões em vários pontos do país no âmbito deste trabalho para a JMJ, conta ter feito a preparação da interpretação do hino em LGP com o coro ‘Mãos que Cantam’, ao qual não pertence e que é coordenado e dirigido pelo diretor artístico e maestro Sérgio Peixoto e tem a participação da intérprete Sofia Figueiredo. A jovem escuteira participou ainda num outro vídeo do hino em LGP realizado para o CNE com vista ao ensino e divulgação daquela versão da canção entre os escuteiros. 

Já sobre o trabalho de tradução das meditações dos mistérios gozosos, gloriosos, luminosos e dolorosos do terço da JMJ, cuja edição foi apresentada para chegar a pessoas que não conseguem ler, que têm alguma incapacidade intelectual ou que não dominam a língua portuguesa, a algarvia diz que “não foi fácil”.

Bruna Saraiva considera que a preocupação da organização da JMJ com uma comunicação sem barreiras para chegar a todos e, concretamente, a criação de um coro de surdos “devia ser exemplo” para que, na Igreja, “outras ocasiões e momentos fossem mais inclusivos”. “Jesus disse: «Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei». Então porque não somos todos tratados e amados da mesma forma? Porque ainda continuamos a colocar de parte pessoas com condições diferentes?”, questiona a jovem que diz haver paróquias que “fazem questão de incluir” e “outras nem por isso”. “Algumas igrejas estão de parabéns porque já possuem rampas [para pessoas com mobilidade reduzida] e projetores para que um surdo possa ler e acompanhar”, constata, reconhecendo que “nem sempre é possível ter um intérprete em todas as celebrações”.

Bruna Saraiva entende que a criação do coro de surdos para a JMJ “é uma forma de sensibilizar” para a importância de incluir todos. “Mas também é uma forma de mais surdos sentirem que realmente fazem diferença e que também têm direito a participar”, acrescenta, considerando que “a sociedade não faz ainda questão de «abrir horizontes» para todos”.

A escuteira considera que, nesta área, o CNE “tem sido exemplo a nível geral”. “Sinto que, desde a pandemia e desde que demos «voz» às nossas dificuldades e à mudança necessária, o CNE já está a encaminhar para o caminho da inclusão”, afirma.

Bruna Saraiva transferiu-se para o Agrupamento 1324 – Sé de Faro, onde existem mais escuteiros com as mesmas necessidades e várias pessoas, com formação, que comunicam através da LGP. A jovem testemunha ter sido “acolhida de abraços abertos”. “Esforçam-se para comunicar, «ouvir-nos» e fazem questão de incluir-nos em tudo. Agradeço-lhes”, relata.

Recorde-se que a Junta Regional do Algarve do CNE decidiu criar em 2019 uma equipa regional para trabalhar a inclusão de elementos com necessidades educativas especiais, constituída por três pessoas com formação na área da deficiência.

Bruna Saraiva nasceu ouvinte, mas devido ao citomegalovírus contraído durante a gravidez da mãe foi perdendo a audição. “Foi uma perda lenta, tive convulsões (febre acima de 40°C) com um ano de idade, porém a perda começou só aos três anos. Aos oito anos coloquei o implante coclear, contudo a LGP é sempre a minha língua mãe”, explicou, acrescentando que teve perda total de audição no ouvido direito e de “uma percentagem” no esquerdo que ainda lhe permite ouvir alguns sons, embora sem que os entenda.

O Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência (SPPD) foi criado, a nível nacional, pela Conferência Episcopal Portuguesa em novembro de 2010, no âmbito da Pastoral Social. Na Diocese do Algarve realizaram-se em 2013 as primeiras jornadas diocesanas da pastoral com pessoas com deficiência e a equipa diocesana do SPPD foi formada em finais de 2015.