A diretora do Secretariado Nacional dos Bens Culturais da Igreja veio no passado sábado ao Algarve apresentar o catálogo da exposição sobre a obra do principal e mais famoso escultor e entalhador barroco algarvio – Manuel Martins –, editado pelo Museu Municipal de Faro que promove a mostra ali patente desde fevereiro deste ano.


Na sessão associada às Jornadas Europeias do Património, que decorreu precisamente naquele museu, Sandra Costa Saldanha defendeu não se tratar apenas de um catálogo, mas de “uma obra de referência para a história da arte que se produz no Algarve” que também “vem preencher uma lacuna importantíssima naquilo que são os estudos da história da arte em Portugal”. “É um livro de referência sobre o Manuel Martins, mas sobre uma série de outras questões que são absolutamente fundamentais. E não tenho a mínima dúvida que é uma obra de referência para o conhecimento do património nacional”, afirmou aquela responsável.


A também investigadora integrada do Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património da Universidade de Coimbra, destacou assim a abordagem do historiador de arte Francisco Lameira na publicação sobre a atividade de Manuel Martins como “um contributo absolutamente essencial porque os escultores tem sido objeto de praticamente nenhum estudo em Portugal”. “Por isso, este livro surge também como um contributo inédito para o estudo dos escultores portugueses, não apenas dos entalhadores”, sustentou.

Sandra Saldanha realçou a dimensão da interdisciplinaridade presente na obra através dos contributos de técnicos das mais diversas áreas. Francisco Lameira apresenta uma abordagem biográfica e concentra-se na análise a toda a obra de Manuel Martins no Algarve, chegando também ao Baixo Alentejo, destacando o artista, que viveu entre 1667 e 1742, não apenas como executante, mas como desenhador projetista dos seus retábulos. O diretor do Museu Municipal de Faro adiantou que esse trabalho do comissário da exposição resultou de “largos meses de investigação e de atualização dos dados de que já dispunha”.

Marco Lopes também assina um capítulo de enquadramento histórico daquilo que é o ambiente da cidade de Faro eclesial no tempo de atuação de Manuel Martins e o também historiador de arte Daniel Santana oferece um percurso que passa em revista aquele que é o então panorama de produção artística no Algarve. Susana Paté, responsável pelo Serviço de Conservação e Restauro do Museu Municipal de Faro, assina o artigo sobre a intervenção de restauro no conjunto das 12 esculturas que integram a exposição e que durou 9 meses. O livro, muito ilustrado nas suas cerca de 260 páginas, é ainda suportado pelo contributo do radiologista Jorge Pereira, resultante desse estudo radiológico dos Cristos Mortos algarvios que têm vindo a ser feito na região.

Sandra Saldanha disse que a investigação radiológica permitiu concluir que o entalhador trabalhava com “materiais de tal forma qualificados que 300 anos passados mantém-se sem vestígios de infestações” e que a madeira de carvalho terá sido a matéria-prima mais empregue.


O radiologista Jorge Pereira destacou a radiologia como método auxiliar de diagnóstico também na área da conservação e restauro, porque permite que os restauradores “saibam qual o terreno que pisam”, percebendo a estrutura da peça e o seu grau de conservação. Para além disso, disse contribuir ainda “para memória futura”. “Pode ser muito importante, daqui a 50 ou 100 anos, para alguém que sinta a necessidade de fazer uma comparação”, concretizou o médico – também cônsul honorário do Luxemburgo em representação do embaixador que doou uma contribuição para a edição –, acrescentando que o levantamento radiográfico permite fazer uma reprodução tridimensional da peça, o que poderá ser útil em caso de uma perda por acidente ou por furto ou para a execução de uma cópia.

O presidente da Câmara de Faro, que destacou o trabalho da equipa de conservação e restauro do Museu Municipal na recuperação do património municipal e da Igreja, inclusivamente fora do concelho, explicou a edição da publicação. “Estes meses e meses de trabalho esfumam-se daqui a um mês, quando se fechar a porta e se desmontar. Ficará na memória daqueles que tiveram o gosto de se cruzar com a exposição, mas não fica mais nada”, referiu Rogério Bacalhau, acrescentando que assim permanecerá um registo não só do que foi exposto, mas “de todo o trabalho de investigação e de todo o conhecimento produzido”. “Continuaremos nesta senda de preservação, manutenção e divulgação do nosso património”, prometeu o autarca.

A mostra – que levou dois anos a ser preparada e que inicialmente se previa ficar patente no até 18 de outubro deste ano –, ficou sem ser visitada durante o período de confinamento, tendo reaberto ao público no final deste, pelo que se prolongará até 15 de novembro.

A exposição – constituída sobretudo por imaginária e por impressões de grande formato de alguns dos principais retábulos do entalhador – conta com uma projeção de fotografias de arquivo da procissão do Enterro do Senhor em Faro, popularmente evocada como procissão do Senhor Morto, cedidas pelo Folha do Domingo.

Conta também com empréstimos e colaboração da paróquia de Santa Bárbara de Nexe, do Cabido da Sé de Faro, da Ordem Franciscana Secular de São Francisco de Faro, da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo de Faro, da paróquia da Sé de Faro, da paróquia de São Pedro de Faro, da igreja do Pé da Cruz, da ermida de Santo António do Alto e da Biblioteca Municipal de Faro.
