
“A crise da família não é uma crise da família, é uma crise do ser humano, é uma crise do sentido da vida. E o sítio onde se reflete imediatamente é na família”. Foi este o alerta deixado no passado dia 19 de janeiro por João César das Neves na primeira tertúlia de um conjunto de cinco que a paróquia das Ferreiras está a promover até junho.

Neste primeiro espaço de reflexão e debate que teve lugar no salão da paróquia das Ferreiras, precisamente dedicado ao tema da família, o economista constatou que “todas as épocas e todas as culturas sabiam que a família era o centro”. “O nosso é o primeiro século que põe em dúvida isto”, lamentou, considerando que “a Igreja está a defender a família”. “O único sítio onde se diz a verdade é na Igreja. Sempre foi assim ao longo dos séculos. O que é extraordinário no nosso tempo é que aquilo em que a Igreja tem de dizer a verdade é aquilo que todos os séculos sempre perceberam e que só o nosso é que tem dúvidas”, criticou.

João César das Neves considerou que “as pessoas cada vez estão mais projetadas para fora e esquecem a única coisa que interessa que é exatamente a família”, lamentando que estejam centrados na carreira e não na casa como acontecia antigamente. “Estar em casa é uma coisa degradante, não é o objetivo e antigamente era. Ao longo dos séculos sempre foi. Hoje o que é importante é ter uma carreira. Isto foi uma degradação do próprio sentido familiar”, considerou.
“Temos de perceber onde é que está o valor. Se os jovens, antes de casar, estão centrados na carreira, são capazes de fazer sacrifícios enormes pela carreira e não são capazes de fazer sacrifícios um pelo outro, a coisa vai correr muito mal na relação da família e depois no final têm excelentes carreiras para nada”, observou.

Defendendo, por isso, que “faz sentido hoje que os dois fiquem mais tempo em casa”, o economista clarificou que a questão “não é voltar para casa”, mas voltar a “pôr no centro a casa”. “Se aceitarmos todas as exigências da sociedade nunca mais acaba. A sociedade vai-nos sugar e nós nunca podemos estar em casa”, advertiu, lamentando a dimensão consumista instigada “por uma indústria que está montada para capturar esse poder de compra”.

“Andamos todos a gastar dinheiro em porcarias para ocupar o tempo livre para dizer que temos de ganhar dinheiro. Continuamos fascinados com mais um telemóvel e mais um automóvel. Estamos mesmo convencidos que isso nos enche e é isso que nos vai destruindo a nós próprios”, lastimou, alertando haver “pessoas cada vez mais destroçadas”. “Têm imenso sucesso, imenso dinheiro, imensa carreira, imensa coisa e só se esqueceram de viver”, observou, lamentando que isto seja promovido em nome de uma pretensa liberdade.
“Ao minar a família, tudo o resto – a economia, a política, etc – acaba minado. Temos aqui um problema e temos que resolvê-lo. E todos estão de acordo que é preciso mudar as coisas. Toda a gente sabe que é preciso mudar, mas ninguém sabe como é que vai mudar”, prosseguiu, considerando as mulheres, os jovens e os idosos as principais “vítimas deste processo”. “Toda a gente quer ser jovem porque ser velho é um problema”, lamentou, acrescentando que “em todas as culturas antigas, o velho era quem mandava, era a pessoa de referência, era a pessoa respeitada, era a pessoa que tinha influência”. “Hoje os velhos são uma «doença»”, lamentou, considerando que os idosos “precisam de ser respeitados”.

“A sociedade é estúpida a ponto de querer desprezar uma parte fundamental da sociedade que são exatamente aqueles que têm mais capacidade, mais experiência e que ainda podem dar muito contributo à sociedade”, prosseguiu.
Por outro lado, César das Neves constatou que antigamente as pessoas viam-se a si mesmas como «ramos» de uma «árvore». “Cada aldeia era uma árvore e cada um era um ramo dessa árvore. A família era uma árvore genealógica. Cada um de nós era um «ramo» da família. A mulher e o marido estavam no centro. As pessoas viam-se como um corpo”, comparou, lamentando que na sociedade atual haja “uma visão exatamente ao contrário”. “Vemo-nos como um «átomo» com outros «átomos». É completamente diferente na sociedade, ver-se como um «ramo» de uma «árvore» ou ver-se como uma peça que se pode juntar às outras ou não”, afirmou.

“Quando nós dizemos que o casamento é um contrato entre duas pessoas, nunca ao longo dos séculos as sociedades viram isto. E hoje, se forem para os árabes, para os chineses, para os indianos, eles não vêem assim a vida. O casamento não é um contrato, é uma «enxertia»: pega-se no «ramo» desta «árvore» e «enxerta-se» naquela. Como nós vemos o casamento como um contrato, desfazer um contrato é uma coisa normal. É este átomo que se junta com aquele e amanhã pode-se separar. O mesmo se passa com os filhos: são «átomos» que estão ali à volta, não são «ramos» que se forem arrancados da «árvore», morrem”, desenvolveu, criticando que se procure ter, relativamente ao casamento, a “mesma atitude” consumista, materialista e de descarte tida em relação “às outras coisas todas”. “Quando já não dá, a gente troca por outro”, lamentou.

O orador considerou que só a Igreja tem “a solução” para esta problemática da família e da sociedade “que os outros todos andam à procura”. “A resposta é Cristo, é o Senhor”, afirmou, acrescentando ser “isso que é preciso para ser feliz”. “Isto não é uma coisa que a gente faça, é uma coisa que a gente pede: que a força do Altíssimo venha sobre nós”, complementou, acrescentando que primeiro é preciso “estar presente”. “É a primeira coisa que é preciso fazer para ter uma atitude cristã” que promova “um amor atento, prudente, previdente”, destacou.

O pároco das Ferreiras explicou que aquele conjunto de tertúlias mensais promovidas pela paróquia são fruto da reflexão do Conselho Pastoral Paroquial e pretendem ser um espaço de “partilha, formação, cultura e, sobretudo, de diálogo espiritual”. O padre Pedro Manuel disse que a iniciativa procura desenvolver e responder à “temática eclesial, mas sobretudo pastoral”, da família, da juventude, vocações e missões sobre a qual incide este ano o programa da Diocese do Algarve.