O mais recente e célebre adágio #VaiFicarTudoBem está carregado de esperança e boa vontade, mas, infelizmente, não é, nem será uma realidade para todos, pelo menos a curto prazo.
Se no geral temos tido um governo a tomar decisões fortes e assertivas nos apoios concedidos às empresas e particulares, há ainda classes que se encontram à margem das boas intenções deste governo. Posso referir a título de exemplo a situação de alguns enfermeiros, que como foi noticiado na passada semana, foram infectados pelo novo Coronavírus por estarem a trabalhar e a lutar por todos nós, tendo que ficar em isolamento, e recebendo no final do mês pouco mais de 60€, devido a supostos atrasos da segurança social. Atrasos?
Os profissionais de saúde têm sido aplaudidos pelas varandas deste país, e bem, todavia, não são as palmas que lhes pagam um salário justo, que lhes permita colocar sopa na mesa e fazer face às despesas correntes. Mas o centro deste texto é outro – a cultura, ou a falta dela.
Infelizmente, no nosso país, há uma longa tradição de maus-tratos à cultura e aos seus protagonistas. Não sendo um problema recente, na conjuntura actual, o que já era mau, revelou-se catastrófico para muitos. É evidente a ausência de um projecto cultural para o país, com os apoios merecidos e necessários, o que talvez se explique pelo facto da actual Ministra da Cultura padecer de profundo filistinismo, ocupando um Ministério do qual conhece apenas a cadeira onde se senta, desconhecendo as suas primordiais funções, e negligenciando o apoio e protecção aos artistas.
Perante este desastre, os artistas têm saído à rua com voz firme, mostrando o seu descontentamento devido à ausência total de políticas pró-cultura, que pensem de forma séria e honesta nos seus protagonistas, porque, ao contrário do que há uns dias afirmou uma “comentadeira”, num desses programas cor-de-rosa onde se fala mal de tudo e de todos, porque se tem um ordenado garantido ao final do mês, os artistas não estão a fazer uma birra. Estão a lutar pelos seus direitos, muitos deles, em total desespero, havendo já inúmeros pedidos de ajuda para que consigam colocar comida nas suas mesas.
Há artistas a passar fome em Portugal. Sei que há muitas outras pessoas, infelizmente, mas hoje, permitam-me a referência apenas a esta classe. Isto acontece porque são trabalhadores intermitentes, a recibos verdes, sem qualquer garantia de protecção estatal, em que a maioria tem um ordenado enquanto trabalha, e usa as reservas nos tempos de desemprego. Perante este cenário, muitos não possuíam reservas, e muitíssimos são aqueles que já gastaram tudo nas despesas correntes, estando entregues à boa vontade de colegas e amigos.
Situações destas levam-me a questionar a verdadeira pertinência de um Ministério da Cultura em Portugal, sistematicamente ocupado por pessoas alérgicas à Cultura, que se ficam apenas pelo Ministério, mas que se recusam a entrar na Cultura, e que vão tomando decisões ao sabor do vento, na tentativa de apagar fogos aqui e acolá, com simples esmolas atiradas do alto do seu pedestal, como é o caso dos 30 milhões de euros distribuídos por todas as autarquias do país. Acredito que os autarcas e respectivos vereadores responsáveis pelo pelouro da Cultura, devem ter respirado de alívio, com tamanha ajuda. Se for para este contínuo desnorte, acabem com o Ministério em causa e poupem os contribuintes no sustento de um elemento fantasma, pertencente ao governo, como é o caso da senhora Graça Fonseca.
Está na hora dos artistas terem o estatuto socioprofissional que merecem, porque, se dúvidas existissem, abdicámos de muitas coisas nos últimos dois meses e meio, mas não fomos capazes de abdicar da Cultura, nas suas variadas formas, o que realça bem a importância do produto por eles criado, que espera o nosso consumo.
Um país sem cultura é amorfo, pesado e triste. É um país onde já não se pode sonhar.
P. S – In memoriam: no passado dia 23 partiu a escritora Maria Velho da Costa, uma das três autoras de Novas Cartas Portuguesas, importantíssimas para a afirmação das mulheres no nosso país, contra uma cultura patriarcal e tacanha. Talvez seja o tempo de (re)descobrir a sua fineza literária.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia