A diretora da Obra Católica Portuguesa das Migrações (OCPM) veio ontem ao Algarve reunir-se com o bispo da diocese algarvia e com os novos responsáveis do Secretariado Diocesano da Mobilidade Humana e do Setor Diocesano das Migrações e Comunidades Étnicas por ele nomeados em junho passado.

Eugénia Quaresma – Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Depois de ter estado em Faro com D. Manuel Quintas, Eugénia Quaresma esteve à noite em Loulé com a nova equipa daqueles dois organismos e lembrou que a Pastoral da Mobilidade Humana é “um setor importante para o trabalho da Igreja”, “para que a Igreja cumpra sua missão evangelizadora”. Aquela responsável nacional realçou a importância de se olhar para a pessoa do migrante não só como “vulnerável”, “mas também para toda a riqueza cultural que traz e todo o bem espiritual que transporta consigo e que pode testemunhar para a comunidade de acolhimento”.

Padres Paulinus Anyabuoke (E) e Rafael Bruno Ferreira (D) – Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A reunião de trabalho, que decorreu numa sala da igreja de São Francisco, foi participada pelo padre Rafael Bruno Ferreira, natural do Brasil, que é o diretor do Secretariado Diocesano da Mobilidade Humana e o responsável do Setor Diocesano das Migrações e Comunidades Étnicas, e pelo padre Paulinus Anyabuoke, natural da Nigéria, que é um dos dois assistentes do primeiro organismo e colaborador do segundo. Participaram igualmente no encontro Elisabeta Ecaterina Necker, da Roménia, Selma Ferreira, do Brasil, e Vera Costa, de Cabo Verde, que também fazem parte da nova equipa do Setor Diocesano das Migrações e Comunidades Étnicas.

A diretora da OCPM destacou o migrante como “pessoa de fé que vive imensas dificuldades, por vezes, mas que transporta uma fé que deve ser testemunhada e que é um exemplo para a comunidade local”. Eugénia Quaresma garantiu que “se não fossem as comunidades migrantes, muitas igrejas na Europa estariam fechadas” e defendeu que o migrante, “com a sua cultura e a forma como vive a espiritualidade”, presta também “um serviço de Igreja”.

Aquela responsável acrescentou que este “desafio de acolher diferentes nacionalidades” “dá a oportunidade de a Igreja pensar-se como verdadeiramente católica” e ajuda-a a “não se fechar”. “Quando as diversas comunidades estão sediadas, por exemplo, numa paróquia, ajuda a perceber que somos uma família humana. Podemos ter línguas diferentes, mas estamos unidos pela mesma fé. Este é o desafio da catolicidade”, sustentou, acrescentando também a este “o desafio do diálogo interreligioso e do diálogo ecuménico”. “Os católicos, aquilo que fazem não está só fechado aos que comungam da mesma fé”, ressalvou, explicando que a ação social da Igreja é “aberta à pessoa em necessidade”.

Eugénia Quaresma disse ainda que a Pastoral da Mobilidade Humana, sujeita a “diferentes tensões, conflitos e medos”, deve lidar com estas condicionantes “com criatividade, com gestos concretos e com presença constante”. Aquela responsável lembrou que o trabalho naquela área “tem implicações políticas” porque deve “espicaçar os decisores políticos sobre algumas coisas que estejam menos bem”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Ao nível político, a diretora da OCPM advertiu ainda para a “questão da narrativa católica e da Doutrina Social da Igreja”, lembrando que esta “não é compatível com alguns discursos políticos”. “Os discursos e os comportamentos racistas ou xenófobos que possam surgir não deveriam vir da Igreja. Como é que nós, a partir do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, combatemos esta narrativa? Pela minha experiência, é muito pela história de vida, é muito conhecendo, é muito promovendo o encontro para poder mudar mentalidades porque senão as pessoas ficam no preconceito”, afirmou, desafiando a “sair da multiculturalidade” para “entrar na interculturalidade”.

Eugénia Quaresma alertou para uma “dificuldade real” no trabalho naquela área. “Estamos muito preocupados em dar coisas e em socorrer, mas esquecemo-nos do acompanhamento espiritual”, lamentou, lembrando que um dos desafios que os migrantes colocam à Igreja é a promoção de “tempos de encontro e formação”.

A diretora da OCPM – que veio trazer as orientações pastorais para o Secretariado da Pastoral da Mobilidade Humana publicadas em março deste ano pela Santa Sé – disse que o que se espera do daquele organismo é a “sensibilização, formação, acompanhamento e apoio das comunidades no terreno, proteção dos migrantes, promoção das pessoas e integração”. Como primeiro desafio estabeleceu “fazer o diagnóstico local”. Eugénia Quaresma disse ser preciso depois de conhecer a realidade, “montar a equipa e criar uma rede dentro da Igreja e fora dela com as forças locais”. Sobre esta importância deste trabalho em rede aludiu à parceria com as Igrejas locais, incluindo “bispos, sacerdotes, párocos, comunidades de vida consagrada, missionários, leigos, secretariados e setores da pastoral”, mas também com “escolas e universidades católicas”.

Neste âmbito, deteve-se particularmente na importância da criação de “uma rede dentro da Igreja com outros setores da pastoral”. “Quando se constrói um plano pastoral para a diocese é importante que a Pastoral da Mobilidade lá esteja, que tenha voz e que ajude os outros setores a abrirem-se à diversidade que têm no seu território”, referiu. Em declarações ao Folha do Domingo, Eugénia Quaresma acrescentou ser importante a articulação com catequese, a Pastoral Juvenil, a Pastoral Universitária e a Pastoral da Família “porque o migrante vem como família, tem crianças e jovens que vão à catequese”.

Sobre a importância de uma rede com as “várias forças sociais também envolvidas nesta Pastoral da Mobilidade para projetos concretos”, lembrou que, “quanto maior é a proximidade, mais facilidade existe também em resolver alguns problemas muito concretos e específicos”. Eugénia Quaresma considerou o Encontro dos Povos Migrantes, promovido no Algarve, “um ótimo sinal de que esta rede com instituições fora da Igreja está a ser criada”. “É meio caminho andado para acompanhar bem a realidade e para a Igreja poder desenvolver um bom trabalho”, considerou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Na reunião em que disse ter vindo, “em primeiro lugar, para escutar quais as necessidades e as dificuldades”, Eugénia Quaresma ouviu a partilha de algumas das principais dificuldades dos migrantes na região e do diretor do Secretariado Diocesano da Mobilidade Humana a garantia da colaboração no trabalho naquele setor.

O Algarve foi a 16ª diocese portuguesa visitada pela diretora da OCPM, faltando apenas os Açores, Bragança, Madeira e Vila Real. A visita teve início em março deste ano “para saber como é que estão, sentir as necessidades, conhecer o território e aquilo que quisessem mostrar”. Aquela responsável adiantou que, depois da visita às dioceses, “o passo seguinte é elaborar um relatório e apresentá-lo aos bispos”. “Gostaria muito de promover um encontro nacional em torno destas orientações para ver como é que cada diocese está a viver e como é que está a ser a sua implementação porque também é um pedido que o Vaticano nos faz”, revelou.

Eugénia Quaresma disse ter ficado “muito contente” com a constituição da equipa do Algarve. “Vai muito na linha daquilo que são as orientações porque é muito diversificada e aproveita as forças locais, os próprios migrantes são também atores e isso é muito bom e pode ajudar não só naquilo que é a proposta de acolher, proteger e promover, mas sobretudo na inclusão das comunidades migrantes”, declarou, explicando que esta inclusão dos próprios migrantes nas equipas diocesanas acontece apenas em três dioceses portuguesas.

Ao Folha do Domingo, Eugénia Quaresma reconheceu que a Diocese do Algarve se depara com “outros desafios” por ser porta de entrada de migrantes no país e até na Europa. “Na altura em que começaram a chegar migrantes por via marítima em que se dizia que estavam a testar uma nova rota, o Vaticano entrou em contato connosco porque queria acompanhar”, contou.

Eugénia Quaresma é desde 2014 diretora da OCPM, a primeira mulher leiga no cargo.