
José Eduardo Horta Correia explicou na sua conferência sobre “O significado do mecenato do bispo do Algarve, D. Francisco Gomes do Avelar”, que aquele prelado, que esteve à frente da diocese algarvia de 1789 a 1816, colocou a “arte ao serviço da pastoral”.
A intervenção daquele professor jubilado da Universidade do Algarve no passado dia 18 deste mês no Seminário de São José de Faro realizou-se no âmbito do programa, promovido pela Diocese do Algarve, que está a assinalar o segundo centenário da morte do bispo, natural do lugar de Matto, Termo de Alverca, atual freguesia da Calhandriz (concelho de Vila Franca de Xira).
O orador disse que, apesar de ser costume naquele período “haver a arte pela arte”, o bispo “não era favorável” a esse conceito. “Na arquitetura vai fazer sempre novo, modernizar, com o melhor arquiteto possível, mas os dois têm a humildade de manter as coisas como estão quando é mais barato ou por respeito ao património já existente ou pelos dois motivos”, afirmou o orador, garantindo que D. Francisco Gomes do Avelar “é tolerante com aquilo de que não gosta em nome da pastoral que é mais importante do que a estética”.
Horta Correia assegurou que esta prática de reconstruir, preservando os elementos antigos existentes, é uma “novidade extraordinária” para a época e destacou o respeito do bispo do Algarve pelo património e pelos materiais locais.
O orador deixou claro que o bispo do Algarve, que “visitou todas as paróquias por três vezes”, “tem um respeito pelo homem, de tal maneira que tem um respeito pela cultura do homem”, sublinhando que esta postura “tem que ver com a ideologia vigente que era o Iluminismo Católico”. “É um homem fisiocrático, mas é um pastor que põe ao serviço da sua pastoral toda a cultura e articula o saber ao poder”, destacou o catedrático.
Horta Correia salientou que este respeito pelo homem explica a “postura ecológica” de D. Francisco Gomes do Avelar perante as culturas autóctones. “Promove a cultura da batata, tem uma pastoral sobre a enxertia dos zambujeiros, fundamental para a produção de azeitona, e uma pastoral sobre o figo”, exemplifica, explicando que prelado também “trata dos corpos e das almas”. “Faz o Hospital de Faro, põe as Caldas de Monchique a mexer, sobretudo por causa dos pobres, e faz conventos que não são da sua Ordem”, enumerou.
O orador lembrou que naquele tempo o Algarve “estava numa situação muito má do ponto de vista pastoral, sociológico e económico porque tinha havido o terramoto [de 1755] e ainda não se tinham colmatado algumas situações” e porque “a Sé tinha estado vacante durante vários tempos”.

Horta Correia lembrou que Francesco Fabri, arquiteto de formação neoclássica, é o “homem que vai ajudar o bispo a fazer uma obra notável de construção e reconstrução de igrejas”, não obstante só ter estado no Algarve durante quatro anos. “Ele tinha consciência de que não tinha meios para sustentar um homem com o génio do Fabri que encaminhou para os muitos amigos que tinha na corte em Lisboa e foi ele que acabou por fazer o Palácio da Ajuda”, referiu, lembrando que D. Francisco Gomes também chegou a desenhar estradas e as pontes «romanas» que mandou restaurar um pouco por todo o Algarve.
O conferencista considerou o refeitório do Seminário de Faro “muito interessante” do ponto de vista pastoral porque foi arquitetonicamente construído como “como se fosse uma capela”. “Há aqui uma evidente associação entre a refeição e a eucaristia”, evidenciou, destacando ainda a pintura da Última Ceia que o bispo encomenda para o refeitório. “Acho que é de Domingos António de Sequeira e está na igreja de São Pedro, mas devia estar aqui. Seria um gesto muito bonito daquela paróquia restituir o quadro ao seu verdadeiro dono”, acrescentou.
Considerando que D. Francisco Gomes do Avelar “tinha verdadeira consciência do valor dos símbolos para a sua própria pastoral”, Horta Correia considerou que o bispo “não podia ter tido em mente” construir uma nova catedral como alguns historiadores defendem. “Nunca poderia pensar numa nova catedral porque tinha perfeita consciência histórica do papel de Ossónoba, a nossa Vila Adentro. O Arco da Vila é a prova provada de que o bispo não queria fazer outra catedral. O arco é a sagração da catedral, mas também a sagração de toda a velha Ossónoba. Valoriza a Vila Adentro e a Vila-a-fora porque a praça de Faro era a Praça da Rainha [hoje jardim Manuel Bivar]”, sustentou, lembrando que a rainha D. Maria I deu dinheiro para a nova catedral, mas as verbas foram utilizadas para restaurar a catedral existente.
A terminar, o orador lembrou a importância de o bispo ter estudado no Real Hospício de Nossa Senhora das Necessidades, no chamado Palácio das Necessidades, uma casa da Congregação do Oratório (oratorianos) na qual foi ordenado sacerdote, e de ter seguido depois para Roma. “Sem as Necessidades não teríamos o D. Francisco Gomes como o conhecemos, mas sem Roma também não. Estes anos de estadia do padre Francisco Gomes em Itália foram absolutamente decisivos no complemento da sua formação académica, ideológica e até teológica”, afirmou, lembrando que o nascimento do Neo-classicismo dá-se precisamente nesta época.
No fim da sua intervenção, durante a qual mostrou um conjunto de slides das principais obras do bispo, Horta Correia considerou que D. Francisco Gomes do Avelar “foi obrigado a ser governador de armas [do Algarve] por questões da conjuntura política das invasões francesas”. “Era um mal menor em relação ao bem comum que ele tinha como ideal”, concluiu.