
Confesso que ponderei longamente se deveria escrever sobre este tema. Ao longo dos últimos dias tanto foi dito, tanto se escreveu e comentou. Que poderia eu acrescentar? Mas não resisto, porque na verdade, como a maioria, senão a totalidade dos portugueses, me senti incomodado com as declarações do Sr. Dijsselbloem, Presidente do Eurogrupo.
Vou reproduzi-las na integra, para algum mais distraído, que não as tenha visto ou retido: «Durante a crise do euro, os países do Norte foram solidários com os países afetados pela crise. Como social-democrata, atribuo excecional importância à solidariedade. Mas também há obrigações [para quem pede solidariedade]. Não se pode gastar o dinheiro todo em copos e mulheres e depois vir pedir ajuda».
Para quem não sabe, Dijsselbloem é, ainda, ministro das Finanças da Holanda, mas em breve deixará de o ser, pois o seu partido perdeu de forma expressiva as eleições e terá apenas alguns lugares no parlamento holandês. E, certamente, o seu cargo como presidente de uma das mais importantes instituições europeias também estará a prazo, pois sem força política no seu país e, depois das “hábeis” declarações que acabei de transcrever, não deverá haver lugar para ele durante muito mais tempo.
Centro-me na figura de Dijsselbloem não apenas pelas polémicas declarações, mas por um conjunto de outros fatores que me parecem curiosos e que, ligados às ditas, não deixam de provocar em mim – e se calhar em muitas outras pessoas – uma certa estranheza.
Dizia o senhor, justificando as suas convicções tão concludentemente expostas, que as mesmas resultam da «cultura de rigor holandesa, a cultura Calvinista». Ora, tal cultura pressupõe, ao que sei, sobriedade a todos os níveis, incluindo na linguagem… Pressupõe o respeito pelos outros. E olhando para a Holanda atual, a Holanda onde este senhor é ministro, descobrem-se os tais outros fatores que são peculiares. Este é um dos países que, na atualidade e dentro do panorama da União Europeia, mais legalizou hábitos que são considerados extremos e moralmente questionáveis para muitos – a prostituição, o consumo de drogas, a eutanásia; os direitos dos LGBTI são defendidos e constituídos como preceito constitucional há bastante tempo; a educação sexual é prática normal nas escolas e o aborto é legal desde 1980; o sistema de saúde providencia apoio a todos e há direitos de parentalidade bem definidos e garantidos. Esta é, igualmente, a Holanda onde se estão a limitar cada vez mais os direitos dos imigrantes, bem como a sua entrada e permanência no país; é a Holanda em que os refugiados não são um grupo desejado e em que as minorias étnicas e os muçulmanos são vistos como exploradores, criminosos, usurpadores dos direitos dos nacionais. E esta Holanda rigorosa e respeitadora de tudo e todos – onde há pessoas notáveis e de extrema generosidade, convém dizer! -, que tem zonas bem conhecidas e que funcionam, até, como atração turística, nas quais muitas mulheres são expostas em vitrines “para consumo”, esta Holanda do calvinista Dijsselbloem é a que aponta o dedo aos desregrados países do Sul, que não sabem respeitar quem lhes presta solidariedade e gasta tudo em mulheres e copos…
Não somos santos, em Portugal, no Sul e em nenhum lugar do mundo. Seja qual for o hemisfério em que vivemos a nossa humanidade faz-nos capazes do melhor e do pior. Copos e mulheres, para usar a linguagem do presidente do Eurogrupo, há em todos os países do mundo, a começar pelo dele…
Eu, que sou padre e celibatário e bebo um bom vinho português de vez em quando, sou igualmente filho de boa gente e como tal senti a injustiça das palavras e aqui deixo a minha indignação.