São casados há várias décadas. Acomodados, vivem lado a lado, vendo passar a vida própria e a dos filhos, gerindo as logísticas que sobram, ocupando cada um o seu tempo e não tendo, nessa gestão de tempo, nenhuma parte para o “nós”. A tal dimensão grande de qualquer relação, o tal pedaço especial, que as faz precisar do “eu”, do “tu”, mas também do “nós”. A tal dimensão que é aquela, parece-me, que fica mais vezes esquecida no seu caso. Eles não voltam, dia-a-dia, ao final da tarde, para aquele “nós” para onde se quer voltar sempre, de cada vez que se sai dos prazerosos “eu” e “tu”, como se fosse um
voltar a uma casa maior, barulhenta, nem sempre calma, mas onde está o nosso coração esticado e cheio, preenchido pelas três dimensões de um amor. Como aquela frase de Mário Benedeti que fala de alguém que não precisa de nós para nada, mas que não vive sem nós. Como quem diz: eu tenho-me, eu sou, eu “gosto-me”, mas eu quero ter-nos também.
Gosto muito deles. Sei que o que sentem é comum a tantos casais que, como eles, vivem há várias vidas juntos. Sei que estar com uma pessoa, amando-a, é uma escolha, às vezes diária, nem sempre fácil, mas onde se resignifica um sentimento que se tem e é genuíno, mas que desaparece nas brumas rápidas da vida, com uma rapidez voraz, que espanta, se não cuidarmos, se não mimarmos, se não priorizarmos, o amor, com uma parte mesmo a dois.
É que este “nós” maravilhoso é como se fosse a parte de um puzzle. Com várias peças, cada uma delas, tão importante como as outras. E quando não há, nas relações amorosas, a peça do “nós”, quando fica tão esbatida que já não se vê, quando se olha para ela e já não é apetecível, já não tem cor, tem o canto cortado, dilatou, encolheu, ou não encaixa, se já não é uma peça-chave que faz acabar o puzzle, então mal andará o mundo das coisas do coração. É que depois aí, o que sobra, é um puzzle desbotado, pouco nítido, com um buraco que se tenta disfarçar. Perdeu-se a peça, dir-se-á…
Pois é, mas que feio fica o puzzle assim.