O historiador José António Martins irá a Londres no próximo ano com o objetivo de “saber que obras são essas que estavam na Diocese do Algarve aquando do saque do conde de Essex em 1546” e que foram para a Bodleian Library da Universidade de Oxford.

Em declarações ao Folha do Domingo, aquele mestre em História Medieval pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto destaca a importância de se “fazer um trabalho sério” para “dizer de uma vez por todas” aos “compatriotas” “que livros foram esses que foram saqueados” da biblioteca do bispo do Algarve D. Fernando Martins de Mascarenhas (1594-1616) pelo corsário Robert de Devereux. “Isto é importante até para a biblioteca da Diocese do Algarve, faz parte da história da diocese”, evidencia.

O investigador de Lagos realça que as obras em causa são “de grande importância” porque “fazem parte da cultura europeia dos séculos XVI e XVII”. José António Martins diz que o prelado “tinha uma das maiores bibliotecas”, composta por “uns cento e tal volumes”, “mas o que se conhece dela são 60 obras com as armas do bispo do Algarve impressas”. “São fundamentais porque qualquer biblioteca de homem culto – bispo ou nobre – tinha exemplares dessas obras”, garante o historiador, explicando que “algumas são raras”. “Há dois incunábulos do século XVI”, exemplifica, assegurando que um dos poucos exemplares impressos daquelas obras se encontrava à venda “até há pouco tempo” no eBay.

O historiador José António Martins • Foto © Samuel Mendonça

O historiador conta que, para além dos que foram adquiridos por D. Fernando de Mascarenhas, alguns desses livros de já tinham sido dos seus antecessores, como os que acompanharam D. Jerónimo Osório aquando da transferência da sede da diocese de Silves para Faro em 1577. “Conjuntamente com essas obras havia um manuscrito com dedicatória ao bispo do Algarve que também se encontra na Bodleian Library de Oxford e que foi o primeiro documento manuscrito a entrar no acervo documental daquela biblioteca”, acrescenta.

“Vamos tentar digitalizar esse pequeno documento e também os frontispícios desses grandes volumes com as armas do bispo do Algarve”, refere, sublinhando que “a ideia é saber como é que entraram essas obras em 1596 e onde é que elas se encontram”. “Até podem não estar em Oxford, mas em viagem para exposições bibliográficas noutros países. Precisamos de saber onde é que elas andam”, observa, lembrando existirem já dois inventários, o primeiro realizado por um inglês nos anos de 1960 e um segundo por Violinda Pinheiro e Rosa, viúva do historiador farense José António Pinheiro e Rosa.

José António Martins lembra que os contactos preliminares com a universidade inglesa foram feitos há dois anos. “Quis saber o que havia e eles mesmos me disseram que desconhecem a totalidade da obra”, afirmou, considerando que a instituição mostrou sempre abertura para a investigação em causa que já podia ter sido feita. O investigador refere que em 2016 pediu financiamento às Câmaras do Algarve e apenas a de Loulé lhe respondeu, bem como à Direção Regional da Cultura da qual diz não ter obtido resposta.

Estimando que a investigação dure cerca de 10 dias, o historiador diz que o projeto está orçado em cerca de 3000 euros, contando com apoio de um grupo hoteleiro e da Junta de Freguesia de São Gonçalo de Lagos, para além da Câmara de Loulé. José António Martins considera que o financiamento é devido por tratar-se de uma investigação “do interesse regional e nacional”. “Tenho que agradecer ao Círculo Manuel Teixeira Gomes e a quem vai financiar isto porque há pessoas que, felizmente, têm a lucidez de ver que isto é um trabalho sério de investigação e em prol da cultura nacional”, refere acerca do trabalho que deverá ser feito na terceira semana de abril, de 14 a 20 daquele mês.

O investigador não descarta a possibilidade de os livros poderem vir a ser expostos no Algarve. “Uma mostra bibliográfica, através do empréstimo, irá desencadear todo um processo a nível diplomático. Não vejo qualquer problema nisso. Os livros podem vir para uma exposição temporária de três, quatro ou cinco meses para as pessoas os verem”, admite.

Quem era o bispo D. Fernando Martins de Mascarenhas?

José António Martins explica que o antigo bispo do Algarve foi “um homem muito importante, de uma família nobre de Portugal do século XVI”, cujos membros tiveram “cargos importantíssimos”. “Sendo prior da Colegiada de Guimarães, veio para o Algarve indigitado pelo rei Filipe I de Portugal (II de Espanha) para bispo do Algarve”, acrescenta acerca do prelado que diz ser “um homem muito instruído” e conhecedor cultura portuguesa. “Para além de ter sido bispo do Algarve, era um jurisconsulto”, complementa.

“Este homem é transversal a toda a região. Fundou, em Portimão, o Colégio dos Jesuítas, em Faro também e, em Lagos, foi o Convento da Trindade em que ele comparticipou”, prosseguiu, explicando que o bispo esteve também presente nas Misericórdias. “Enquanto bispo do Algarve, foi um homem importantíssimo para a região em termos de organização da diocese internamente e em termos da própria região enquanto Reino do Algarve”, observou, garantindo que D. Fernando Martins de Mascarenhas “deixou uma marca fundamental”.

D. Fernando Martins Mascarenhas, que nasceu em 1541 em Montemor-o-Novo e faleceu a 20 de janeiro de 1628, tendo saído do Algarve em 1616 para ser inquisidor-geral, foi também reitor da Universidade de Coimbra, responsável pela reforma daquela academia.