
Manuel Braga da Cruz defendeu ontem nas XIII Jornadas de Ação Sóciocaritativa, promovidas pela Diocese do Algarve, em que participaram 97 pessoas de toda a região algarvia, que a atual crise familiar só será resolvida com “políticas de família” que compatibilizem a vida doméstica com a profissional.
Na iniciativa, que teve lugar no Centro Pastoral e Social de Ferragudo sob o tema “Família, crise e solidariedade”, organizada pela Caritas Diocesana do Algarve, o conferencista considerou ser necessário fazer da família um “protagonista” e “sujeito ativo” dessas políticas e não apenas um “mero objeto” delas.

“Há políticas que têm vindo a ter sucesso nalguns países que passam não tanto pela atribuição de subsídios”, concretizou o orador, explicando que essas medidas são aquelas que têm a ver com as “condições da compatibilização do papel doméstico com o papel profissional”, tais como “licenças parentais, políticas de apoio à infância em meio profissional ou trabalho em part-time”.

“Uma política de família é virada para a partilha de corresponsabilidades entre homem e mulher e não para voltar a pôr a mulher fora do mercado de trabalho. É uma política que pretende valorizar o trabalho doméstico e que pretende convidar o homem e a mulher a desenvolver essas tarefas domésticas”, explicou, considerando também que “a resolução do problema da natalidade passa pela articulação entre vida doméstica e vida profissional”. “Quanto mais permitirmos à mulher que seja, simultaneamente, mãe e excelente profissional, mais filhos ela vai ter. Claro que, para isso, é preciso que o pai seja também ele corresponsável, não só pela gestação mas também pela educação dos filhos”, sustentou.
Neste sentido, destacou mesmo a família também como “protagonista” e “parceiro das políticas sociais”, exortando ao “associativismo” das famílias. “Vai-se percebendo que há políticas de assistência que são melhor feitas em casa do que fora de casa”, disse.
O ex-reitor da Universidade Católica Portuguesa considerou que a “grande mudança” que reduziu o agregado familiar “veio da revolução económica da família” deveu-se à “transformação da família de unidade de produção para unidade de consumo”. “O que é que provocou isto? O afastamento do local de residência do local de trabalho”, acrescentou, explicando que essa separação “tem vindo a ser um pouco reduzida por haver já muitas pessoas que trabalham em casa”. “Algo está a mudar”, considerou.

Braga da Cruz classificou o chamado “inverno demográfico” como um “gravíssimo problema da Europa”, considerando que o mesmo “corre o risco de tornar a Europa não atrativa e não competitiva”. “Este é um dos maiores problemas da Europa, mas, seguramente, um dos maiores problemas de Portugal”, sustentou, sublinhando que “a maioria das famílias portuguesas não consegue ter os filhos que quer”.
Lembrando as consequências deste problema na sustentabilidade do sistema de pensões, o conferencista alertou que “em Portugal, os [cidadãos] inativos já são mais dos que os ativos”. “O drama adicional é que esta população ativa está afetada por um enorme desemprego”, acrescentou, concretizando que a taxa é da ordem de 15%.
Considerando que a família se reduz a um “monopólio da afetividade”, Braga da Cruz alertou para o “perigo de sacralizar a afetividade na família e no casamento”. “A família tornou-se o local por excelência da reprodução dos afetos e é por isso que alguns tendem a banir da família dimensões fundamentais como é, por exemplo, a procriação”, afirmou, constatando que “a família tem vindo a ser fortemente enfraquecida nos últimos tempos em Portugal com a facilitação do divórcio, com a comparação legal entre famílias com base no casamento e famílias de facto e, sobretudo, com esta medida do casamento homossexual”.

“O casamento foi, ao longo de milénios, o instituto de regulação da procriação. Banir o horizonte da procriação do casamento é uma revolução civilizacional de uma gravidade extrema e, em Portugal, decide-se uma coisa destas não sufragada pelo eleitorado, por uma maioria, contra a opinião maioritária do povo português e acaba-se com um instituto que durou milénios em nome da afetividade”, criticou, indicando a “importância da complementaridade dos papéis na família”. “É indispensável a complementaridade entre o masculino e feminino na educação das crianças”, sustentou.